Pâncreas artificial deve se tornar realidade em até dois anos
O "pâncreas artificial", ou sistema de circuito semifechado, poderá ser em breve realidade para os pacientes com diabetes tipo 1, com previsões de comercialização ainda este ano, ou certamente até 2018, de acordo com uma nova revisão feita pelo UK National Institute for Health Researchpublicada online em 30 de junho no periódico Diabetologia.
Os autores, os Drs. Hood Thabit e Roman Hovorka, médicos da University of Cambridge, no Reino Unido, explicam que o pâncreas artificial associa o monitoramento contínuo da glicose à infusão contínua de insulina subcutânea e a um algoritmo de controle. Também existe uma abordagem híbrida, permitindo a administração de insulina em bolus após as refeições.
Os sistemas de circuito fechado tratam da questão da variabilidade da insulina - a média de variabilidade diária da insulina é de 20% durante o período de vigília e de 30% durante a noite, e os sistemas de circuito fechado parecem ter melhor desempenho durante a noite. Existem também grandes variações individuais da necessidade de insulina e, mesmo para a própria pessoa a necessidade de insulina pode variar de um terço da dose habitual diária até três vezes este valor, dependendo de fatores como exercício, tipos de refeição e ciclo menstrual.
Assim, o pâncreas artificial pode minimizar a ocorrência de hiperglicemia e diminuir o risco dos episódios de hipoglicemia relacionados com o controle estrito da glicose.
Ainda existe uma série de barreiras para a assimilação desta tecnologia, incluindo a adesão do usuário e a facilidade de utilização, embora as pessoas com diabetes tipo 1 tenham manifestado grande interesse no uso de tais sistemas e na possibilidade de "liberar seu tempo das exigências do diabetes", dizem os Drs. Thabit e Hovorka.
"O progresso do pâncreas artificial tem sido feito a grandes saltos nos últimos anos, partindo dos testes em pequenos laboratórios para a vida real, nas casas das pessoas. O nível de inovação tem sido altíssimo", disse o Dr. Hovorka ao Medscape.
Este avanço é fruto de muita pesquisa e de generosos financiamentos, com pelo menos U$ 200 milhões injetados neste projeto por patrocinadores na última década.
Todavia, alguns pacientes se recusaram a esperar pelos dispositivos comerciais: um pequeno grupo de pacientes nos Estados Unidos ficou tão frustrado de esperar o pâncreas artificial que construiu seus próprio sistema de circuito fechado, como divulgado anteriormente pelo Medscape.
Ensaios clínicos têm tido sucesso, mas ainda restam questões a serem resolvidas
Estudos randomizados, controlados, de transição, realizados em ambulatórios, hotéis e colônias de férias para diabéticos — onde os participantes são estudados em situação "de vida real", porém são rigorosamente monitorados — corroboram a viabilidade e a eficácia ambulatorial dos sistemas de circuito fechado, como informado em diversas ocasiões, indicaram os Drs. Thabit e Hovorka.
E estudos realizados com crianças, adolescentes e adultos na vida cotidiana, sem supervisão, também revelaram melhor controle ou desfecho glicêmico e, em alguns casos, redução dos episódios de hipoglicemia, bem como uma aceitação favorável dos usuários.
Alguns estudos também comprovam melhora do tempo de permanência na faixa de glicose almejada, sem aumento da ocorrência de hipoglicemia. O mais longo estudo domiciliar randomizado até hoje durou três meses.
Estudos qualitativos respaldam a aceitação do usuário, dizem os médicos. Argumentos como "ter mais tempo livre sem cuidar do diabetes", menor preocupação ou medo de fazer hipoglicemia, bem como outros tópicos relacionados à qualidade de vida em termos de saúde são citados como positivos pelos usuários.
Mas ainda há questões relativas ao tamanho dos dispositivos, sua conectividade e problemas com a calibragem dos sensores. Também são necessários o aperfeiçoamento do algoritmo de controle para adequação da adaptação e da individualização do mecanismo, a melhora das imprecisões do sensor de glicose e a correção dos erros liberação da insulina pela bomba. Além disso, a questão da segurança cibernética e da segurança dos protocolos de comunicação é de vital importância.
Outro desafio é o fato de que mesmo os análogos da insulina de ação rápida só atingem seus níveis máximos na corrente sanguínea de 30 minutos a duas horas após a aplicação, e os efeitos duram de três a cinco horas. Isto pode não ser suficientemente rápido para um controle eficaz, por exemplo, nos casos de realização de exercícios vigorosos.
O uso do análogo da asparte, uma insulina de ação ainda mais rápida, pode eliminar parte do problema, como o poderia o uso de outras formas de insulina, como a insulina inalatória, observam.
Passos pequenos, porém rápidos
De agora em diante, a expectativa do Dr. Hovorka é de "inovação contínua e progressiva, embora seja necessário continuar investindo no aperfeiçoamento destes dispositivos", frisou.
"O que está sendo criado agora vai ser superado pelos futuros aperfeiçoamentos", disse ele.
Mesmo assim, "espero que seja mais provável do que improvável que o pâncreas artificial esteja no mercado até 2018. Eu o tenho na mais alta estima", observou.
Sobre o modelo mais promissor, o Dr. Hovorka afirmou que "não endosso necessariamente uma marca ou outra.
Toda a indústria está progredindo, apesar de existirem alguns candidatos na linha de frente".
Um deles é a tecnologia da Medtronic, o sistema exclusivo de insulina em circuito fechado 670G (MiniMed), submetido à aprovação do Food and Drug Administration neste verão com base napesquisa crucial apresentada no recente congresso da American Diabetes Association, como informado pelo Medscape.
Outra perspectiva é o iLet ou "pâncreas biônico", um sistema para a administração de dois hormônios criado pelo professor de Engenharia Biomédica da Boston University o Dr. Edward R. Damiano e seus colaboradores. O iLet, que está sendo avaliado tanto com o uso de insulina isolada em uma das câmaras do aparelho, como com o uso de insulina e glucagon juntos, está sendo desenvolvido pela Beta Bionics, uma empresa de interesse público e sem fins lucrativos.
Dr. Hovorka considera, no entanto, que há "grandes desafios" a serem vencidos pelo sistema com dois hormônios. O acréscimo do glucagon aumenta a complexidade em relação à insulina isolada, que tem sido usada há décadas, e exige uma segunda bomba. "E as atuais apresentações do glucagon requerem sua substituição a cada 24 horas, por serem instáveis", explica.
As pesquisas com bombas de câmara dupla e sobre como obter uma apresentação mais estável do glucagon estão em andamento: por exemplo, ainda é preciso obter dados de testes de segurança em longo prazo em humanos sobre o uso regular de glucagon subcutâneo. E pode haver outros obstáculos ainda desconhecidos, o que não é o caso para o uso de um hormônio isolado.
"Dado o ponto em que atualmente nos encontramos, acho que não há como o sistema de dois hormônios ser liberado até 2018", disse o Dr. Hovorka. "Definitivamente, iremos começar com um único hormônio. Não sou contra o sistema com dois hormônios, só estou dizendo que é uma área que ainda precisa ser mais pesquisada".
Outras empresas envolvidas na criação de sistemas de circuito fechado são a Animas e a Tandem, ambas em parceria com a Dexcom.
Aceitação dos médicos e ampliação do reembolso para os pacientes
Em sua revisão, os Drs. Thabit e Hovorka comentam que outras barreiras poderão surgir entre os próprios profissionais de saúde: existem dúvidas sobre o tempo que levarão para adotar e prescrever aparelhos de circuito fechado.
Do mesmo modo, indicam que um treinamento estruturado sobre a utilização do aparelho será crucial, tranquilizando os profissionais de saúde de que as comunicações são seguras e não são vulneráveis às ameaças cibernéticas, à recuperação indevida dos dados dos pacientes e à interferência de protocolos de rede sem fio.
Outra questão será como ampliar o acesso para a população, incluindo os pacientes que ainda não utilizam bombas de insulina.
Dr. Hovorka comentou que "a ampliação do acesso aos usuários é vital para o aperfeiçoamento do sistema".
Também se faz necessário aprofundar as pesquisas das questões de qualidade de vida e de quais populações irão se beneficiar mais com a nova tecnologia.
Por exemplo, como as questões dos usuários irão variar entre os jovens, as gestantes e os pacientes internados com hiperglicemia?
E os dados da viabilidade econômica e das e condições de reembolso também serão determinantes.
Segundo o Dr. Hovorka "especula-se atualmente que o pâncreas artificial não deva ser mais caro do que o somatório do sensor e da bomba, porém o preço ainda não foi determinado".
Este artigo foi subsidiado pelo National Institute of Health Research Cambridge Biomedical Research Centre, Efficacy and Mechanism Evaluation National Institute for Health Research, the Leona M & Harry B Helmsley Charitable Trust, JDRF, National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases e Diabetes UK. O Dr. Hovorka informou receber honorários como palestrante, membro do conselho consultor e de direitos de patentes e/ou de consultoria das empresas Eli Lilly e Novo Nordisk. Ele também comunica deter patentes e pedidos de patentes relacionadas a sistemas de circuito fechado. O Dr. Thabit declarou não ter nenhum relacionamento financeiro relevante ao tema.
Diabetologia. Publicado online em 30 de junho de 2016. Artigo
Notícia retirada em: http://portugues.medscape.com/verartigo/6500373#vp_1